sábado, 15 de maio de 2010

O discurso patrioteiro

São Paulo, sábado, 15 de maio de 2010



JOSÉ GERALDO COUTO

O discurso patrioteiro

A convocação burocrática e inercial de Dunga para a Copa assusta menos do que a fala retrógrada que a justifica


O QUE MAIS me deixou preocupado, na convocação da seleção brasileira, não foi tanto a escolha óbvia e inercial dos jogadores, mas o discurso patrioteiro de Dunga. Ouvir o treinador justificar suas opções foi como entrar no túnel do tempo e cair nos piores anos da ditadura militar.
No mais acabado estilo "Ame-o ou deixe-o", o que Dunga disse, com quase todas as letras, foi: quem não gosta da minha seleção não gosta do Brasil. Por nossas críticas à convocação, Juca Kfouri, Xico Sá e eu fomos tratados (via e-mail ou comentários na Folha Online) como inimigos da pátria por leitores mais exaltados, embalados pelo ufanismo reinante.
Na visão de Dunga e seus seguidores, jogar na seleção é como fazer serviço militar, e a Copa do Mundo é uma guerra suja, como todas as guerras. Sinto muito, mas não é essa a minha visão.
Copa do Mundo, para mim, é ou deveria ser o momento em que os melhores futebolistas do planeta, defendendo seus respectivos países, fazem o espetáculo esportivo supremo. É, ou deveria ser, um espaço de arte e encantamento, em que o futebol justifica seu estatuto de esporte mais amado em todo o mundo.
Foi nesse espaço, nessa espécie de Olimpo transitório, que brilharam figuras como Pelé, Garrincha, Cruyff, Beckenbauer, Platini, Maradona, Romário, Ronaldo, Zidane...
Alijar do evento os jogadores mais talentosos do país, em favor dos mais disciplinados e leais ao chefe, é um crime contra o próprio futebol e uma traição a um dos traços mais ricos da cultura brasileira, que é o nosso jeito de jogar bola. Outros países têm uma dificuldade danada de renovar seus elencos.
Muitos deles recorrem a brasileiros naturalizados para reforçar seus times. O Brasil, ao contrário, revela continuamente novos craques. E por conta de um patriotismo rançoso e retrógrado os desperdiça.
Quem melhor escreveu, a meu ver, sobre a dimensão política e cultural da convocação foi Fernando Barros e Silva, na página 2 da Folha, na quarta-feira passada. Peço licença para transcrever aqui um trecho eloquente de seu texto.
"O clamor patriótico de Dunga parece ser sincero (o que não o torna melhor), mas também soa oportunista e marqueteiro quando se sabe que ele próprio o utiliza para vender cerveja a preço de ouro numa campanha de TV em que aparece berrando bordões do tipo "eu quero raça!". Vender a alma não é isso? Há um jeito esclarecido, cosmopolita, de gostar do Brasil. E há um patriotismo tosco, burrinho, que costuma servir de válvula de escape para pendores autoritários e fanatismos afins. Em seus piores momentos, é esse o sentimento que o futebol mobiliza e atrai."
Eu não teria nada a acrescentar, mas me lembrei de um diálogo que diz tudo o que resta a dizer.
Durante a transmissão de Grêmio 4 x 3 Santos pelo Sportv, diante de uma atuação esplendorosa de Paulo Henrique Ganso, o locutor Milton Leite diz: "Pelo jeito, o Ganso não sentiu o fato de não ter sido convocado". E o comentarista Maurício Noriega responde: "Quem vai sentir o fato de ele não ter sido convocado somos nós".
Aliás, dificilmente veremos na Copa uma partida linda como essa.
jgcouto@uol.com.br

domingo, 2 de maio de 2010

a serenidade

São Paulo, domingo, 02 de maio de 2010


TOSTÃO

O Brasil vai à guerra

Copa é época de aumentar o nacionalismo, o ufanismo e o orgulho nacional, como se o Brasil fosse para uma guerra











FALTAM 40 DIAS para começar a Copa-2010. Durante o Mundial, o Brasil para.
Nesse período, aumentam o nacionalismo e o ufanismo. Parece que o Brasil vai para a guerra, e não para uma disputa esportiva. O povo se emociona. Até os canalhas, acostumados a roubar o dinheiro público, choram após um gol, abraçados à bandeira brasileira.
Empresas exploram o nacionalismo e o orgulho nacional. Em um comercial, Dunga grita e fala em raça. Em outro, torcedores com armaduras, vestidos para a guerra, exigem que os jogadores sejam guerreiros. É a palavra da moda. Muito mais importante do que saber jogar futebol é ser guerreiro.
Se o Brasil ganhar a Copa, os jogadores serão heróis. Se perder, não será porque o adversário foi melhor, o time jogou mal ou porque as sombras do imponderável estavam do outro lado. Será porque faltou raça. Os jogadores serão hostilizados, chamados de mercenários e criticados pela falta de patriotismo.
Não há dúvidas de que, no mundo globalizado e moderno (nunca entendi a expressão da moda, pós-moderno), diminuiu, em toda a sociedade, e não apenas no futebol, o orgulho de fazer parte de uma nação.
O sonho das pessoas é ser cidadão do mundo, sem fronteiras. Não existe mais a "Pátria de Chuteiras". A pátria atualmente é a do negócio, a do trabalho.
Os grandes clubes da Europa contratam os melhores jogadores do mundo e exigem que eles se dediquem mais a quem paga seus altíssimos salários. Noto que os jogadores sul-americanos, com algumas exceções, têm mais orgulho de atuar por suas seleções do que os europeus. São também mais pressionados para vencer.
Nesse momento, todos passam a entender de futebol e a pedir as convocações de Neymar e Ganso. Neymar, superelogiado, foi duramente criticado após uma entrevista para a jornalista Débora Bergamasco, do "Estado de S. Paulo".
Entre tantas infantilidades, Neymar disse que não é preto, que alisa e pinta o cabelo de loiro, que quer ter um Porsche e uma Ferrari, que gostaria de viajar à Disney, que será obrigado a tirar título de eleitor e que não sabe quem são os candidatos à Presidência do Brasil. Em outra entrevista, ele teria dito que é metrossexual.
Além da infantilidade e da falta de cidadania, deduzo que Neymar, por seu comportamento habitual, disse tudo isso brincando e rindo, sem agressividade. Não deve nem saber o que é ser metrossexual.
O comportamento de Neymar e de milhares de jovens como ele, muitos vítimas da desigualdade social, é muito menos preocupante do que a falta de civilidade de parte da população, formada por pessoas até com diploma universitário.
Após morar afastado por mais de dez anos, voltei para a cidade. Estou horrorizado com o barulho, mesmo nos horários de silêncio, com tantos carros estacionados em lugares proibidos, com as pessoas andando no meio das ruas, correndo risco de serem atropeladas, já que os espaços nas calçadas estão ocupados por mesas de bares, além de outras infrações diárias, usuais e sociais.
Muitas dessas pessoas são as que, durante a Copa do Mundo, gritam e cantam que têm orgulho de serem brasileiras.

domingo, 11 de abril de 2010

São Paulo, domingo, 11 de abril de 2010



JUCA KFOURI

O jogo do ano

É o primeiro, em São Paulo, neste 2010. No domingo que vem, na Vila, provavelmente assistiremos ao segundo



O MORUMBI recebe hoje o primeiro "jogo do ano" do futebol em São Paulo. E a Vila Belmiro, no domingo que vem, conforme o que acontecer hoje, tem tudo para receber o segundo.
Porque, felizmente, é assim. Adoramos "jogos do ano".
Claro que estamos nos restringindo aos limites estaduais, porque poderíamos ter um Gre-Nal como "jogo do ano" ainda no segundo turno do Gauchinho, não fosse a surpreendente eliminação do tricolor e a quebra de sua invencibilidade de 51 jogos no Olímpico. Mas tudo bem. Se duvidar, nas semifinais da Copa do Brasil, entre Santos e Grêmio, teremos mais dois "jogos do ano".
Porque é assim que as coisas são.
Este San-São vale por si mesmo.
Independentemente de ser decisivo para o Paulistinha ou não.
Fosse pelo torneio da ponta da praia ou da rua, daria no mesmo.
Pelo que o Santos vem mostrando e pelo que o São Paulo ameaça mostrar, até por influência da garotada santista que mudou a rotação e o prazer do futebol no país.
Sim, o São Paulo pode vencer e devolver a desfeita do Brasileirão de 2002, quando terminou a fase de classificação em primeiro lugar, com 13 pontos a mais que o Santos, em oitavo, e perdeu na Vila no primeiro jogo, por 3 a 1, para acabar perdendo também o segundo, no Morumbi, por 2 a 1.
Depois, como se sabe, Robinho e cia. foram campeões, algo que pelo menos Rogério Ceni há de ter bem guardado, assim como Robinho.
De Robinho, aliás, espera-se que hoje lidere a meninada em sua primeira (da meninada) empreitada decisiva com casa cheia.
No teste das crianças excepcionais, Robinho foi mal, muito mal, fruto de sua cabecinha de prego, já fartamente revelada em suas transferências do Santos para o Real Madri, do Madri para o Manchester City, do City para o Santos.
Dele se espera maturidade, liderança, porque, tecnicamente, neste momento, o time do Santos é mais importante para ele do que ele é para o time do Santos, como já ficou fartamente demonstrado.
Ao São Paulo cabe domar as feras, tarefa complicada e até com um quê de inglória, porque ganhar dos meninos ressuscitará a entediante discussão sobre o jogar bonito e perder e o jogar feio e vencer.
Não há dúvida de que o futebol agradecerá se o Santos se der bem ao fim e ao cabo da decisão, do mesmo modo que se dará em relação ao Barcelona na Liga dos Campeões e no Espanhol. Mas, se der São Paulo, Inter de Milão, Bayern Munique, Lyon ou Real Madri, nem por isso Ganso e companhia, e Messi e sua orquestra, terão deixado de ser o que são: espetaculares, engraçados, divertidos, dinâmicos, rápidos, artísticos e, atenção!, c o m p e t i t i v o s!!!

sexta-feira, 9 de abril de 2010

O Santos e a inveja do pênis

 São Paulo, sexta-feira, 09 de abril de 2010


XICO SÁ

O Santos e a inveja do pênis

Todo mundo se acostumou tanto com os brucutus que a beleza ficou circunscrita ao modismo, a um mero surto



AMIGO TORCEDOR , amigo secador, que importa um campeão oficial, um campeão moral ou um campeão da superação espartana se já temos um campeão estético, festivo, dionisíaco e declaradamente mais genial há várias rodadas do torneio bandeirantes? Nada.

A alegria, me sopra aqui do seu cadilac verde o velho Oswald, rumo aos Campos Elíseos, continua sendo a prova dos nove. O que o São Paulo, o Barueri prudentino e o Santo André terão a dizer para as novas gerações se conquistarem o caneco?

Nécaras. Apenas que valorizaram seus passes, alguns boleiros foram bem vendidos, combateram o bom combate, isso é lindo, aplausos. Na falta de requinte é o que resta, o miserável tédio de resultados. É o que terão a dizer, peito estufado, como lastro moral para a mídia que resolveu chamar o Santos de ""time da moda", a forma mais preconceituosa de negação do futebol bonito.

Todo mundo se acostumou tanto com os brucutus que a beleza ficou circunscrita ao modismo, a uma eventualidade, a um surto, como se fosse uma dengue ludopédica.

Triste, doloroso, mas o jornalismo hoje é tão retranqueiro como os Lazaronis da existência. Aí vem o baixinho Messi, do Santos da Catalunha, e desmancha o pragmatismo; aí vem o Neymar, do Barça da Baixada, e devolve, pelo inesperado, o medo do goleiro diante da vida. Se bem que é o Ganso o gênio deveras do time, que lembra o Clodoaldo no combate, que recorda o Gerson nos passes longos, que chega como um Tostão para o carrinho apenas diante das redes, que tem a elegância paraense do conterrâneo Sócrates Brasileiro, que fica feliz quando bota o André na frente do crime, que tem gosto pelo jogo na sua inteireza.

Sim, amigo, você está certo, o Peixe já ganhou o certame da aldeia, dez pontos na frente do segundo, mas a vida é mata-mata, vale a arena romana, cada lugar e hora um regulamento. Mas é óbvio que o alvinegro, clamo, repetirá as goleadas. Os meninos, que cometeram um único pecado grave neste ano, no episódio da ajuda ao Lar Espírita Mensageiros da Luz, terão o perdão do xará Chico Xavier, naturalmente, tomara!

Seria muito castigo. Não obrigatoriamente para os santistas, mas para quem, de todas as cores, aprecia o fino da bola. Voltaria toda aquela ladainha de que espetáculo não ganha jogo etc. Porre! Uma baita redenção dos conservadores, dos que preferem perder jogando feio a correr o risco da promessa de felicidade que se constitui na beleza.

Não quero ouvir as risadas cretinas dos cavaleiros das mesas-redondas contra essa bela turma praiana. Prefiro as gargalhadas ingênuas dos vossos dentes de leite a todos os sorrisos artificiais da TV brasileira. Faz cara feia, cowboy Durval, renegado herói do bravo Sport, e segura essa zaga. Porque é bom lembrar dos cavaleiros solitários que garantem a porta do saloon alvinegro para que os meninos façam a farra lá dentro.

O bom é que, de repente, até mesmo quem tirava onda do Paulistinha, os viciados na Libertadores, tomaram gosto pelo torneio. O Corinthians conseguiu fazer cinco, e até o São Paulo jogou bonito. O Santos despertou a boa inveja do pênis da qual falava o doutor Freud. Futebol é penetração e arte. xico.folha@uol.com.br